quarta-feira, 21 de novembro de 2012

NOVA CONTABILIDADE PÚBLICA – O PRINCIPIO DA COMPETÊNCIA E OS APOLOGISTAS DO ATRASO


A leitura atenta da Constituição Federal de 1988, da Lei 4.320/64 e da Lei Complementar 101/200 (Lei da Responsabilidade Fiscal) revelam, sem dúvida, que a contabilidade e o orçamento são elementos complementares e, modo geral, heterogêneos. Na prática, quando o profissional da Contabilidade “fecha” a escrituração, confere os saldos e concilia as contas esta informando sobre fatos passados e também sobre situações futuras, representadas por informações valiosas, a serem utilizadas pelos administradores na organização de orçamentos futuros, como é o caso dos créditos a receber e das provisões de passivos.
O método das partidas dobradas foi fundamental para viabilizar a inclusão de todos os elementos patrimoniais, passando a fornecer, além dos elementos financeiros, o montante dos bens, direitos e compromissos assumidos pela entidade. Desta forma, o sistema contábil passou a viabilizar a geração de informes para a formulação dos orçamentos futuros, ou seja, a previsão de receitas, fixação de despesas e as necessidades de captação de recursos por meio de operações de crédito.
Algumas pesquisas revelam que foi a partir dos estudos de Jean Ympyn (primeiro autor de livro de contabilidade impresso em língua francesa[1]) a identificação da propriedade dos balanços como elemento significativo para a organização do orçamento.
Tais estudos revelam que a contabilidade primitiva de partidas dobradas não era completa e, para observar isso, basta apreciar o que representavam as contas de patrimônio dessa época, como partes do balanço. Estavam todas ligadas estreitamente à noção fundamental e primitiva de receita e de despesa efetivamente realizadas, ou seja, as que representassem valores financeiros, não havendo lugar para lançamentos contábeis relacionados com a movimentação de outros valores. Neste sentido uma dívida ou um crédito não eram contabilizados senão quando realizados em dinheiro.
O balanço da contabilidade primitiva estava longe de servir de elemento para qualquer informação orçamentária e vice-versa. O lamentável é que, ainda hoje, encontramos defensores da ideia de que o orçamento e o balanço são peças distintas. Os que assim pensam estão fora da realidade, pois qualquer estudo da evolução do pensamento contábil indicará que as demonstrações contábeis, representadas pelo balanço patrimonial, tem se apropriado, pouco a pouco, de importantes elementos consignados nos estágios da execução orçamentária (créditos a receber e obrigações futuras a pagar) e, por outro lado, as técnicas de elaboração orçamentária encontram no balanço patrimonial material valioso para conhecer a previsão de receitas, fixação de despesas e as necessidades futuras de caixa.
A contabilidade clássica, por partidas dobradas, desconhecia os créditos a receber e as provisões. Por consequência, o balanço era incompleto, referia-se, apenas, às operações com valores precisos, fornecidos pelos documentos de caixa, sem qualquer informação sobre o futuro. Entretanto, como os administradores não podiam considerar como valores livres, certos itens levados para resultado, extraiam dele a parcela que julgavam necessária para enfrentar alguma eventualidade não incluída na contabilidade por caixa
Tratava-se, portanto, de uma contabilidade e balanço parcial em que, tanto os administradores como analistas, “resolviam” sobre a necessidade de ajustar ou corrigir esse balanço incompleto, parcial, para gerar dados extracontábeis que indicavam uma “previsão” dos riscos e, desta forma, incluir no passivo um valor global preventivo. Ponderavam, portanto, qualquer eventualidade da entidade e, como administradores responsáveis e prudentes, aumentavam o passivo e não inscreviam no ativo valores de realização incerta, dando origem ao principio da prudência.
Tais contas, entretanto, não estavam, ainda, no manejo corrente dos contadores, mas apenas inscritas no que atualmente denominamos de “notas explicativas do balanço, aproximando-o, desse modo, dos orçamentos futuros. Mas, com o andar dos tempos, o administrador, que inscrevia essas contas anualmente em montantes relativamente estáveis, formando uma proteção confortável e suficiente, achou preferível entregar esse registro e movimentação aos Contadores, libertando-se, deste modo, de mais uma tarefa, tal como já havia feito quando confiou ao profissional da contabilidade o manejo das contas de terceiros.
No âmbito da Contabilidade Pública ainda encontramos alguns profissionais que defendem a não inclusão de valores a receber como conta de ativo e, em relação aos bens imobilizados preferem que os mesmos permaneçam com o valor original sem depreciação, amortização ou exaustão. Esquecem que até o final dos anos 70 do século passado a liquidação da despesa constituía uma tarefa administrativa executada durante todo o exercício mas que somente era registrada no balanço ao final de cada exercício e, portanto, os balancetes mensais escondiam dos usuários os valores da “despesa empenhada a pagar”.
Nos dias atuais é inconcebível imaginar que em algum balanço ou balancete deixe de aparecer a conta “Despesa Liquidada a Pagar” e, por isso, a nova ordem da Contabilidade Pública deve informar, também, quais são os direitos e obrigações que estão além do simplório confronto entre receitas arrecadadas e despesas (legalmente) empenhadas. Os ativos são direitos de propriedade (reclamações contra os outros) e recursos úteis na geração de benefícios econômicos futuros (importantes para os orçamentos vindouros) e os passivos são obrigações (créditos dos outros) bem como responsabilidades, também significativos para a elaboração de peças orçamentárias futuras.
Se, como dizia Carlos Maximiliano (1873-1960), a lei não contém palavras inúteis resta perguntar aos apologistas do atraso qual a razão da Lei de Responsabilidade Fiscal conter no artigo 4º a obrigatoriedade dos governos informarem na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) “a evolução do patrimônio líquido nos três últimos exercícios”.
Antes de responderem é bom lembrar que a informação sobre o patrimônio líquido pode revelar, aos usuários das informações, preciosos elementos tais como:
  • No caso de ativos líquidos positivos, os recursos líquidos disponíveis para criação, ampliação ou fornecimento de serviços futuros (como aliás, determinam os artigos 16 e 17 da LRF).
  • No caso de ativos líquidos negativos (patrimônio líquido negativo ou passivo a descoberto), a necessidade de aumento futuro da carga tributária e das receitas, para cumprir responsabilidades financeiras assumidas ou para ampliação dos serviços a serem prestados a futuras gerações.
A insistência, de alguns, na não aplicação do princípio da competência com apoio, inclusive, de alguns desavisados membros do Ministério Público de Contas, representa, a nosso juízo, erro que só pode ser explicado historicamente por corresponder a uma verdade consagrada durante cerca de trezentos anos, mas que ficou sem sentido desde a Lei 4.320/64, embora, seja forçoso reconhecer, de difícil cumprimento naquela época (1964) pela falta outros instrumentos legais e normativos que só foram institucionalizados a partir da Constituição de 1988 e, principalmente, da Lei de Responsabilidade Fiscal nos seus quatro eixos temáticos: planejamento, transparência, controle e responsabilização.
Por todo exposto, não temos dúvida de que a aplicação do princípio da competência, além de legal, é imprescindível para que a contabilidade pública passe a ter um papel fundamental no planejamento, na transparência das contas, no controle e na responsabilização dos gestores públicos, vale dizer, passe a ser instrumento de um Bom Governo.

Fonte: http://linomartins.wordpress.com/

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