As auditorias governamentais no Brasil,
sobretudo aquelas realizadas pelos tribunais de contas, sempre
acontecem, em regra, após o encerramento do ano. Conquanto a prática
seja legítima, não há como deixar de reconhecer que ela precisa ser
repensada. Não faltam argumentos nesse sentido. Vejamos apenas alguns.
Grande parte dos
tribunais de contas no Brasil estão utilizando o Termo de Ajustamento de
Gestão (TAG) como meio de tornar sua atuação mais eficaz. Eu mesmo,
como Relator, já lavrei alguns. E olha: funciona. Às vezes, um bom
diálogo resolve milhões de problemas. O Termo equivale a um acordo de
cavalheiros. As partes se convencionam tentando chegar a um mesmo fim.
Precisamos recorrer mais a eles.
Outra crítica costumeiramente levantada contra as auditorias subsequentes afirma que
não dá pra fazer um levantamento profundo nas contas públicas, pois o
tempo é demasiado curto. Os que defendem esse ponto de vista também
estão com a razão.
Por menor que seja o
orçamento de um órgão governamental, fiscalizar uma gestão é sempre uma
tarefa complexa. Já ouvi alguns dizendo que um orçamento de 10 milhões
de reais dá pra avaliar em uma semana. Tenho lá minhas dúvidas.
Costumo dizer - por
experiência própria - que a complexidade de uma auditoria governamental
não decorre, diretamente, do valor que é auditado, mas de seus
desdobramentos.
Um orçamento comporta
diversas naturezas de gastos: há gastos com o pagamento de pessoal,
outros que são aplicados na compra de materiais, equipamentos e
serviços, há recursos destinados a áreas específicas relevantes como a
educação e a saúde e por aí vai. Cada uma dessas modalidades de gastos,
por sua vez, exige ações específicas, tais como, procedimentos
licitatórios, dispensas ou inexigibilidades; lavratura de contratos;
verificação se o que foi entregue pelo fornecedor está correto em
quantidade e qualidade; observação dos requisitos para a contratação de
pessoal, etc. Tudo isso tem que ser verificado nas auditorias
governamentais. O problema é que o tempo destinado para todas essas
avaliações não passa de uma ou duas semanas. Questiona-se: será que em
uma semana tenho condições de avaliar tudo isso? Certamente que não.
Esta é uma das razões por que a maioria das auditorias governamentais
não geram os resultados esperados. Ou seja, tenta-se fiscalizar tudo sem
que sejam fiscalizados quase nada. As auditorias assim conduzidas são
boas apenas para as estatísticas dos órgãos fiscalizadores:
“fiscalizamos 100% de nossos jurisdicionados!!”, é o que costumam
proclamar. O problema é: qual a qualidade dessas auditorias? Elas viram,
efetivamente, o que tinham de ver? A amostra fiscalizada representa, de
fato, a população, com todas as suas características essenciais? Podem
servir como balizadores para a avaliação da gestão? São sólidas o
suficiente para resistirem ao mais exigente questionamento? Também aqui tenho lá minhas dúvidas.
Não dá pra fiscalizar
tudo em uma ou duas semanas. Ainda que se dedicasse um mês para a
realização dos trabalhos, dependendo da complexidade do que se desejasse
levantar, poderia, ainda assim, ser pouco.
As visitas “in loco” têm
de trazer tudo “mastigadinho”. A análise de papéis e documentos no
órgão auditado deve servir para referendar (ou não) as pesquisas já
realizadas. Elas são, portanto, complementares. Não iniciam o processo
investigativo. São responsáveis por finalizá-lo.
Há, ainda, os que
afirmam que as auditorias realizadas no modo tradicional analisam apenas
papéis antigos e empoeirados. Sua atuação é, portanto, limitadíssima.
Não exploram, como deveriam explorar, as modernas técnicas de
investigação que envolvem, muitas vezes, o cruzamento de informações, o
exame acurado dos bancos eletrônicos de dados governamentais, o concurso
de informações provenientes de órgãos situados fora da esfera
governamental auditada (órgãos trabalhistas, previdenciários, etc.), a
pesquisa diligente de dados muito antes que sejam iniciados os trabalhos
de campo, dentre outras ferramentas. Tais
grupos criticam a maneira como as auditorias governamentais são
atualmente conduzidas pelo simples fato de elas concentrarem todos os
seus esforços durante os trabalhos de campo. Praticamente, não fazem
nada antes dele. Literalmente, deixam o paciente adoecer para depois
tratá-lo.
Também concordo com esse ponto de vista.
Devemos encarar os
levantamentos dos dados públicos como se fossem verdadeiras pesquisas.
Os dados têm de ser coletados, tratados e depois analisados para que
sejam extraídas conclusões abalizadas. E isso exige tempo, muito tempo
em algumas situações.
Urge, portanto, que
invertamos os polos: concentremos nossas auditorias governamentais no
acompanhamento do ciclo da gestão e não (somente) após seu término.
Priorizemos os levantamentos prévios em detrimento dos subsequentes. Do
contrário, continuaremos a ser taxados como órgãos inoperantes e que
representam apenas um peso para a sociedade.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto/TCE-AM
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