terça-feira, 22 de maio de 2012

A NOVA CONTABILIDADE PÚBLICA: OS ÓRGÃOS DE CONTROLE E A SABEDORIA CONVENCIONAL!


O inimigo da sabedoria convencional não são ideias
mas a marcha dos acontecimentos.– John Galbraith

 A expressão “sabedoria convencional” é usada para descrever uma ou mais ideias que são geralmente aceitas pela maioria das pessoas como sendo verdadeiras e, por isso, inquestionáveis. A expressão tem origem no “conventional wisdom”, utilizado por pensadores de língua inglesa, em diversas circunstâncias, durante o século 19, para alertar os menos atentos sobre a condução errada que se costuma tomar, por falta de espírito crítico.
Até a edição das Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas ao setor público a sabedoria convencional advogava que contabilidade governamental tinha como foco o orçamento e de que para introduzir a contabilidade patrimonial e de custos era necessário fazer mudanças na lei 4.320/64. Os fundamentalistas dessa ideia chegaram a recorrer a formas inusitadas de censura para tentar silenciar argumentos científicos que, a seu juízo, ameaçavam as ideias aceitas. No caso, refiro-me a alguns técnicos dos Tribunais de Contas que reagiram negativamente à mera possibilidade de que algo, aceito até então como verdadeiro, não ser o que parece.
Sobre isto o titular deste Blog teve experiência inusitada quando participou de encontro na cidade de Belo Horizonte ocasião em que, uma das ouvintes, sua ex-aluna, questionou o fato de ter aprendido em suas aulas que a contabilidade pública adotava o regime misto (de caixa para as receitas e de empenho para as despesas) e encontra-o, agora, na defesa do principio da competência para o setor público. A resposta veio de bate pronto: “não me preocupo por ter mudado de opinião porque não me preocupo em raciocinar”….
Este comentário vem a propósito do Acórdão n° 158/2012 do Tribunal de Contas da União que traz, entre outras, a recomendação à Secretaria do Tesouro Nacional “que, em atenção ao disposto na Lei Complementar 131/2009 e Resolução CFC n° 1.133/2008, alterado pela Resolução CFC n° 1368/2009, inclua em notas explicativas informações relativas aos montantes da receita reconhecida e da receita arrecadada no exercício”.
No referido Acórdão o ministro Raimundo Carreiro, relator da matéria afirma que “é de todo louvável e necessário o esforço empreendido pelo Poder Executivo e pelo Conselho Federal de Contabilidade no sentido de buscar a convergência dos procedimentos contábeis aos padrões internacionais”
São também do Relator os seguintes comentários:
14.          Há que se diferenciar o conceito patrimonial do conceito orçamentário e seus reflexos na apresentação das demonstrações contábeis. Os créditos são reconhecidos sob o aspecto patrimonial. Na medida em que são arrecadados e se tornam “caixa”, são escriturados como receita orçamentária no respectivo exercício (aspecto orçamentário). Tal procedimento segue o mesmo rito da inscrição em dívida ativa, que somente se “transforma” em receita orçamentária depois que o contribuinte liquida sua obrigação junto à fazenda pública. A grande diferença das mudanças introduzidas e defendidas pela STN é que a contabilidade passa a evidenciar o direito a receber em momento anterior ao da inscrição em dívida ativa, permitindo o acompanhamento dos fatos posteriores, como a arrecadação e a própria baixa do crédito que porventura venha a ocorrer.
15.          Assim, os balanços patrimoniais da União (e dos demais entes da federação: estados, Distrito Federal e municípios) são aprovados sem o registro de todos os ativos (direitos a receber) na contabilidade. Tomando-se como exemplo o caso de uma prefeitura que envia o boleto de cobrança do IPTU para o contribuinte, pode-se verificar que neste momento o contribuinte tem uma obrigação a pagar e consequentemente a prefeitura deveria registrar o direito a receber em contrapartida de uma variação patrimonial aumentativa. Tal registro não afeta a receita orçamentária do município, portanto não amplia a capacidade de gastar. Atualmente, o registro do crédito a receber somente é feito depois de inscrito em divida ativa. Mas é somente neste momento que o setor público deve evidenciar os valores a receber? Como se pode saber quanto dos créditos cobrados/lançados foram arrecadados antes de se inscrever em dívida ativa? Esta informação não tem transparência nos balanços do setor público, pois não está registrado na contabilidade o crédito cobrado e não pago. As mudanças propostas e realizadas pela STN visam evidenciar o montante dos créditos lançados pela fazenda pública e ainda não arrecadados, similarmente ao que acontece com os créditos inscritos em dívida ativa. Vale ressaltar que todas as empresas estatais que utilizam o Siafi e já fazem esse registro, bem como algumas autarquias, a exemplo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que realizava o controle dos créditos previdenciários e administrativos desde 2000, atividade posteriormente transferida para a Receita Federal do Brasil.
16.          Portanto, esse é um aspecto que reputo fundamental e decisivo para o deslinde da questão. A ausência de controle e evidenciação contábil dos créditos a receber favorece a ocorrência de fraudes nos diversos sistemas da administração pública federal que controlam os valores a receber das autarquias, agências reguladoras, Receita Federal, Procuradorias e demais órgãos e entidades que arrecadem receitas públicas. Não são raros os casos veiculados na imprensa de baixas indevidas em sistemas de multas dos Detran, por exemplo, ou de débitos de IPTU, IPVA e outros créditos da fazenda pública. O controle contábil desses créditos por meio dos balancetes e demonstrações contábeis permite evidenciar os montantes de créditos baixados, esta informação importante para uma fiscalização eficiente por parte do órgãos de controle interno e do Tribunal de Contas da União.
Esta decisão histórica do Tribunal de Contas da União revela como é importante não ter medo de pensar as coisas até o fim. Não se submeter à sabedoria convencional estabelecida por alguns técnicos dos Tribunais de Contas e mantida pelos jurisdicionados, sob pressão, de mentes fechadas….que, quando contrariadas, preferem a ameaça, a impugnação e a multa, em substituição ao dialogo e discussão técnica. Por sua vez, os órgãos de controle interno, as controladorias, também devem estar abertos para discussões de natureza técnica e não ficarem enclausurados e tolhidos pelos interessados em valorizar os ciclos políticos de curto prazo.
Esta é uma reflexão destinada a todos os responsáveis pelo controle interno e pelo controle externo que, em principio, nunca devem aceitar o cerceamento de ideias e a censura, tendo em vista que, muitas vezes, uma ideia convencional, aparentemente correta e simpática à maioria, está abrindo as portas à situação potencialmente catastrófica da perda total da liberdade de pensamento e de escolha e, quem sabe, de um serviço público melhor….

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